A permanência.

mallarme-zumbi
5 min readMar 26, 2024

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por MALLARME.

1/3.

Chega correndo que nem uma bicha alegre o estudante de filosofia chamado de Teeteto.

TEETETO: gente! gente! vocês nem sabem o que aconteceu! corram!

Barulheira de coisa se quebrando, alguém grita e entra no palco SÓCRATES e PARMÊNIDES olhando feio um para a cara do outro.

TEETETO (para a plateia): Parmênides está dizendo para Sócrates que foi ele que a metáfora da permanência já era dele! Que Sócrates deveria criar a própria filosofia ao invés de ficar copiando a dos velhos filósofos!

PARMÊNIDES (interrompe, com raiva, se explica para a plateia): E roubar meus alunos para ele ainda por cima!

SÓCRATES: Não roubei aluno de ninguém, salafrário!

PARMÊNIDES: Salafrário? Aí não.

SÓCRATES (peitando o outro): Salafráriozinho sim.

Parmênides se descontrola e corre para cima de seu rival. Ainda que fosse mais jovem e mais vigoroso, Sócrates foi pego de surpresa e caiu desengonçado. Antes que acontecesse qualquer coisa, Teeteto se meteu no meio e apartou a briga.

TEETETO: Calma! Calma! (fala para a plateia) Gente! Me ajuda!

Depois de alguns segundos, Parmênides se conteve, espumando de raiva.

PARMÊNIDES (apontando para Sócrates): E Aristóteles, seu miserável? O que justifica o que aconteceu com ele?

SÓCRATES (já de pé): Aristóteles quis frequentar meu liceu porque considerou melhor que o seu, Parmênides.

PARMÊNIDES: mentira! Você subornou a mãe dele!

SÓCRATES: Os juízes concluíram que sou inocente.

PARMÊNIDES: O menino deveria ter ficado comigo!

SÓCRATES: Agamenon não pode fazer nada quanto aos pedidos emocionados de Aquiles para que devolvesse a escrava Brisada. Fico igualzinho embaraçado, mas nada obrigava que devolvesse o meu espólio: o jovem Aristóteles. Ele desejou matricular-se comigo quando completou doze anos, e nada mais você tem com isso. Se permito travar contato importuno com o meu estudante, é pelo apreço que sinto por sua pessoa. Quando eu era menino ouvia falar do grande Parmênides, mas só pude ver ao senhor quando cheguei em Atenas, munido somente de uns móveis velhos, uns livros e meus dois escravos. No dia em que soube que o senhor estaria na ágora, fui um dos primeiros a chegar.

Os atores se re-organizam no palco para o flashback: entra a versão mais jovem de todos: Sócrates era um rapaz de quinze anos cheio de espinhas na cara. Teeteto era uma criancinha, caçadora de borboleta, que não prestava em nada. Ficava correndo pelo jardim, feliz da vida. Parmênides era uma mulher de vinte e poucos anos, recém-casada e muito rica graças aos combates filosóficos que fazia ao vivo, semanalmente, na ágora ateniense. Naqueles tempos era a maior voz da ágora. Ninguém impressionava mais com suas lições que a mestra. Sócrates assiste maravilhado a mestra falar:

PARMÊNIDES (com a voz do Parmênides velho): É necessário que o dizer e pensar que é sejam; pois podem ser, enquanto nada não é: nisto te indico que reflitas. Desta primeira via de investigação te… e logo também daquela em que os mortais, que nada sabem, vagueiam, com duas cabeças: pois a incapacidade lhes guia no peito a mente errante; e são levados, surdos ao mesmo tempo que cegos, aturdidos, multidão indecisa, que acredita que o ser e o não ser são o mesmo e o não mesmo, para quem é regressivo o caminho de todas as coisas…

Saem os atores mirins e voltam os normais

Sócrates adulto está emocionado, olhando para a plateia. Parmênides está impaciente, batendo o pé:

PARMÊNIDES: já acabou com sua historinha?

SÓCRATES: estou apenas prestando meus agradecimentos ao senhor.

PARMÊNIDES: E por que não me devolveu o menino? Foi exatamente como fizeram Panatenéias e Odisseu. Você não fez porque não quis. Não se importava nem comigo e muito menos com ele.

SÓCRATES: Como ousa? Ele era meu melhor amigo!

PARMÊNIDES: Melhor amigo? é assim que trata seus amigos?

SÓCRATES: Eu nada tive com o acidente, se é isso que você está querendo insinuar.

Parmênides coloca a mão no peito. A luz fica escura. Todos correm para perto dele, pertubado.

PARMÊNIDES: não estou me sentindo bem!

SÓCRATES (grita segura Parmênides): alguém chame uma ambulância!

TEETETO (pulando, desesperado): alguém chama a ambulância!

Toca uma música de rock anos oitenta tipo Joy Division. Barulhos de ambulância, luz de sirene. Entra o motorista da ambulância.

BETO: é aqui que pediram uma ambulância?

PARMÊNIDES (berra de dor): SIM!

BETO: é que o moço que trabalha com isso se atrasou! Eu precisei vir porque já tava acabando o tempo e lá na firma se a gente não fizer oitenta e cinco das corridas ao mais somos obrigados a pagar multas caríssimas. Não podia esperar mais por ele. Ele me falou depois que iria direto, em seu próprio meio de transporte.

SÓCRATES: ele tem o endereço?

BETO: tem sim.

TEETETO: Vamos colocar ele na maca logo!

BETO: deixa comigo!

Segura Parmênides de qualquer jeito e leva ele para a maca. Deita ele de barriga para cima. Empurra e sai de cena, levando o enfermo Parmênides.

TEETETO: mestre! o que foi isso?

SÓCRATES: todos somos cúmplices, Teeteto.

TEETETO: Eu? Não fiz nada.

SÓCRATES: conheço da sua inocência. Fique você e todo o seu tribunal aí sozinho. irei me deitar. amanhã, na mesma hora, quero todos na classe.

Teeteto sai. Antes de Sócrates sair, ele vira para a plateia e fala:

SÓCRATES: Eu conheço muito bem o caráter dos senhores. O tipo de gente que são. Sei bem o que vocês andam fazendo.

FIM DO ATO

2/3

Parmênides deitado na cama. O Ser-Absoluto em sua cabeceira.

O SER-ABSOLUTO: Ora, que má vontade!

PARMÊNIDES: Quieta, mamãe!

O SER-ABSOLUTO: Quieta o que? Estou esperando essa sua comida já faz mais de três horas. Você está se recuperando de um infarto fulminante!

PARMÊNIDES: Eu sei, mamãe. Estou tentando dormir.

O SER-ABSOLUTO: Pois então tente, saia desse livro e vá dormir, Parmênides! Não sei quê tanto lê nesses papéis que não aprende nada! Que quer se tornar, afinal, rapaz?

PARMÊNIDES: Eu estou tentando o melhor que posso, e você sabe disso.

O SER-ABSOLUTO: Se eu te falar de seu irmão Heráclito, você logo fecha a cara, mas…

PARMÊNIDES (puto da vida): o que tem aquele viadinho?

O SER-ABSOLUTO: Não chame Heráclito assim. Só iria falar que talvez pudesse te emprestar um escravo.

PARMÊNIDES: eu não quero nada dele, mãe.

O SER-ABSOLUTO: você precisa, meu amor.

PARMÊNIDES: depois conversamos disso. Eu preciso dormir.

O SER-ABSOLUTO: tudo bem. boa noite.

Dá um beijo em Parmênides. Apaga a luz e sai.

3/3.

TEETETO: Pessoal, vocês não sabem o que aconteceu! Lembra da briga que teve Sócrates com o canalha da permanência? Adivinha quem apareceu morto!

Teeteto olha para a plateia, esperando a reação.

TEETETO: O panaca do Parmênides! Esfaqueado por conta de dinheiro. Não sou de rogar praga em morto, mas esse daí teve o que mereceu. Agora, que queime no inferno.

Entra correndo Aristóteles. Teeteto arregala os olhos.

TEETETO: Você! Aristóteles!

ARISTÓTELES: Eu mesmo, otário. Sai daqui agora. Preciso ter uma conversinha com o pessoal.

TEETETO: E por que eu não posso ouvir?

ARISTÓTELES: Porque você é um x-9 do caralho.

TEETETO: Eu?

ARISTÓTELES: Tu mesmo, Teeteto, também conhecido como “aquele que não sabe o que é conhecimento”. Seu fracasso de anos atrás é a tua fama. Só querem saber de você por conta da vergonha que passou anos atrás. No fundo, ninguém se importa com você.

TEETETO: você defende a escravidão. não tenho nada a dizer sobra uma pessoa assi.

ARISTÓTELES: é uma relação econômica igual a qualquer outra, não temos motivos para desfazer uma instituição social assim tão bem sucedida em Atenas!

TEETETO: Não quero brigar, Aristóteles.

ARISTÓTELES: Vaza.

Teeteto sai. Aristóteles olha para a plateia e sorri.

ARISTÓTELES: Obrigado por terem vindo à ágora hoje, pessoal. Primeiro, eu gostaria de falar sobre a guerra justa, doutrina que estou formulando faz alguns anos…

FIM

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