NEW YORK, 1921

mallarme-zumbi
1 min readMar 21, 2024

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como bombons que se dissolvem no céu da boca
no décimo nono andar de um skyscraper
com mais de trinta andares em ação:
gente a mover-se, máquinas de escrever
a guinchar, telefones a retinir
e nada cala a velha máquina acéfala
que movimenta meu pensamento.

é do espírito religioso ou do solitário
certo pendor autobiográfico?
a compulsiva boca devorava chocolate,
e meu íntimo, a saborosos pecados infinitesimais.

New York: violência, lufa-lufa,
passos do turkey trot ao som da jazz band,
eloquência selvagem, assonância ruidosa,
sincopado cósmico de delírios fabris,
diversões baratas, e eu aqui, contemplativo,
desafinado do meio em desatino,
pesando culpa de crime que não cometi.
o diabo me obriga não ao pecado,
mas à ansiosa busca de perdão;
não à mentira, mas à verdade
que passa veloz e tão rápido foge
como autos e caminhões pesados
que correm para sempre e lugar nenhum
deixando somente sussurros inorgânicos
a substituir o obsoleto sopro do vento
que em Recife entra pela janela.

da ascética altura do skyscraper
a eternidade de relatórios durou ainda oito horas
entre sonhos de doce paz de palmeiras brâmanes.

adentro no subsolo composto por tubos ou túneis ramificados,
de negros comboios com lanterna encarnada
correndo à eletricidade nas entranhas de New York
a mais de cem quilômetros por hora.
me acotovelo entre o frevo carnavalesco das seis horas
e assisto pessoas lendo jornais, revistas ilustradas
livros de filosofia e tratados de ciência.

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